Consenso do Reino Unido para a utilização dos inibidores da protease Boceprevir e Telaprevir no genótipo 1 da hepatite C
Acaba de ser publicado na revista “Alimentary Pharmacology and Therapeutics” mais um consenso para guia no tratamento da hepatite C, desta vez no Reino Unido (mais conhecida como Inglaterra) do qual comentarei os principais pontos.
Resultado de extensa revisão da literatura atual e na opinião de consenso de um painel de especialistas foi discutido abertamente e debatido no encontro nacional de profissionais da saúde que cuidam da hepatite C no Reino Unido.
Como deve ser um consenso são colocadas as recomendações em geral, mas não transformam as diretrizes numa receita de bolo para não engessar o médico na tomada de decisões. Isto é, sempre caberá ao médico determinar o que é melhor para cada paciente especificamente, selecionando qual dos dois medicamentos é o melhor especificamente. O cuidado no texto para não beneficiar qualquer um dos novos medicamentos é de uma ética total que deveria servir como exemplo a ser copiado por todos os gestores mundo afora. Em nenhum momento é colocado que um dos dois medicamentos deve ser preferencial, pois se assim fosse estaria engessando a liberdade profissional do médico que deveria então desrespeitar o seu juramento de fazer o melhor para seu paciente.
Destacam no consenso que nas fases 2 e 3 dos ensaios clínicos usando boceprevir e telaprevir em pacientes tratados pela primeira vez, embora os regimes de tratamento sejam diferentes para cada medicamento, a eficácia dos dois medicamentos é muito semelhante. Alem disso a resposta guiada durante o tratamento pode encurtar o tempo de tratamento em grupos específicos de pacientes. Interessante foi observar que ao comparar os resultados dos ensaios de fase 2 com os de fase 3 a resposta sustentada aumentou, indicativo de uma melhor gestão dos efeitos adversos como resultado da experiência dos médicos e educação dos pacientes.
Entre os pacientes que receberam tratamento pela primeira vez, as maiores taxas de resposta, considerando os diversos ensaios clínicos, obtidas pelo Boceprevir e o Telaprevir foi exatamente à mesma, de 75% de pacientes curados.
Em relação a pacientes não respondedores a um tratamento anterior com interferon peguilado e ribavirina eles são divididos em recidivantes, não respondedores e nulos de resposta. Chamam a atenção que o Boceprevir não incluiu pacientes nulos de resposta durante os ensaios clínicos, motivo pelo qual nesse grupo especifico de pacientes é impossível comparar a efetividade entre os dois medicamentos.
No retratamento, entre os recidivantes o Boceprevir obteve um máximo de 75% de resposta contra um máximo de 88% com o Telaprevir, ambos com lead-in, entre os não respondedores o Boceprevir obteve 52% de resposta contra 54% do Telaprevir, ambos com lead-in e nos nulos de resposta o Telaprevir obteve 33% de resposta.
CUSTO-EFETIVIDADE DO TRATAMENTO COM INIBIDORES NO REINO UNIDO
Interessante notar que o consenso introduz o custo efetividade ao utilizar Boceprevir e Telaprevir, destacando que a adição dos inibidores ao tratamento representa um importante passo ao curar um número maior de infectados e que a erradicação da doença em qualquer fase, tanto em cirróticos como em indivíduos somente com fibrose, impede a progressão da doença e melhora a qualidade e expectativa de vida, reduzindo dessa forma às despesas com saúde associado às complicações que a progressão do dano hepático certamente irá provocar.
Segundo consta no consenso os preços mensais dos medicamentos no Reino Unido é de 2.800 Libras por mês para o Boceprevir e de 7.466 Libras por mês para o Telaprevir. Assim, o tratamento com Telaprevir, que sempre necessita de 12 semanas de medicação é de 22.398 Libras no Reino Unido e o tratamento com Boceprevir, que pode ser necessário em 24, 34 ou 44 semanas conforme a resposta, poderá variar entre 16.800 e 30.800 Libras. Cabe esclarecer que os custos apresentados são para um paciente em tratamento particular, não na rede de saúde pública onde os valores dos medicamentos são sempre menores.
Continuam explicando que ficou demonstrado que no caso do Boceprevir o tratamento deve ser realizado conforme a resposta guiada durante o tratamento realizando o lead-in na semana 4. Ao se realizar o tratamento pela resposta guiada o Boceprevir é custo efetivo em todo tipo de paciente, seja ele tratado pela primeira vez ou esteja recebendo um retratamento.
No Telaprevir, onde o paciente começa a utilizar o medicamento logo na primeira semana a recomendação é que deveria ser realizado o teste IL28B, já que caso o paciente tenha um resultado CC poderá realizar o tratamento somente com interferon peguilado e ribavirina, com o qual terá a mesma possibilidade de cura que se utilizasse o Telaprevir.
(Comentário: O teste IL28B deveria ser obrigatório para todos os pacientes, pois ela indica a resposta que terá ao interferon. Pacientes com resultado CC terão alta possibilidade de cura somente com interferon peguilado e ribavirina, sem necessidade de utilizar Boceprevir ou Telaprevir).
Na analise econômica o consenso conclui mediante a modelação matemática que aumentando a chance de cura com a utilização dos inibidores de proteases haverá uma redução muito significativa, de 34%, no número de mortes por causas associadas à hepatite C.
CONSIDERAÇÕES GERAIS
- O consenso ainda inclui recomendações sobre os fatores preditivos de resposta a serem observadas pelos médicos antes de indicar a utilização dos inibidores de proteases, recomendando realizar o teste IL28B antes de decidir. Pacientes com resultados CC devem ser tratados somente com interferon peguilado e ribavirina.
- Alerta especial para o médico monitorar cuidadosamente a resistência viral mediante a realização da carga viral.
- Entre os principais efeitos adversos alerta sobre o aumento dos mesmos quando comparado com o tratamento com interferon peguilado e ribavirina.
No tratamento com Boceprevir colocam como principais efeitos adversos a disgeusia (alteração do paladar), anemia e neutropenia. A disgeusia normalmente não necessita de qualquer alteração no tratamento. A redução da dosagem do boceprevir não deve ser utilizada na gestão dos efeitos adversos, pois pode ocasionar o aparecimento de espécies resistentes.
No tratamento com Telaprevir os efeitos adversos são ligeiramente diferentes aos do Boceprevir. Além da anemia e neutropenia os estudos têm mostrado um aumento na erupção da pele e sintomas anoretais (desconforto e prurido).
Relatam que nos ensaios clínicos a anemia ao utilizar Boceprevir teve um aumento de 26% na comparação com o tratamento padrão e, nos pacientes tratados com Telaprevir o aumento foi de 21%. Tanto no tratamento com Boceprevir ou Telaprevir para tratar da anemia recomendam no consenso a redução da dosagem da ribavirina ou a utilização da eritropoetina, a critério do médico conforme o caso específico.
Em relação ao Rash que é a erupção cutânea causada pelo Telaprevir colocam que isso leva a interrupção entre 5 e 7% dos tratamentos. A erupção, conforme colocado no consenso, é predominantemente eczematosa e pruriginosa.
- O Boceprevir e o Telaprevir somente devem ser utilizados em pacientes infectados com o genótipo 1 e obrigatoriamente conjuntamente ao interferon peguilado e ribavirina. Vedado seu uso em monoterapia.
- Recomendam ainda, com ênfase, as interações medicamentosas de ambos medicamentos e a rigorosa seleção dos pacientes seguindo estritamente as recomendações do consenso.
- Total liberdade do médico na indicação do interferon peguilado.
- Total liberdade do médico na indicação do inibidor de protease a utilizar.
RECOMENDAÇÕES DE ACOMPANHAMENTO DOS PACIENTES
- O uso do Boceprevir e do Telaprevir deve ser limitado a centros de referencia que possam atender os pacientes pelo regime de terapia guiada pela resposta, observando, ainda, os seguintes critérios:
O – Adesão ao consenso (protocolo) de tratamento da hepatite C;
O – Auditoria continua da resposta virológica sustentada com a utilização dos inibidores de proteases;
O – Auditoria continua das taxas de interrupção e por quais motivos;
O – Obter o resultado da carga viral em até um máximo de cinco dias após a coleta de sangue;
O – Carga viral com limite de detecção de 15 IU/ml;
O – Acesso a métodos não invasivos para avaliar o grau de fibrose;
O – Equipe médica especializada e de enfermagem para prestar apoio durante toda a terapia;
O – Protocolos para controlar e minimizar riscos dos efeitos adversos;
O – Completa informação pré-tratamento a todos os pacientes.
INTERRUPÇÃO DO TRATAMENTO
- Utilizando Boceprevir o tratamento deve ser interrompido se na semana 12 (semana 8 do Boceprevir) a carga viral for superior a 100 UI/ml ou se estiver detectável na semana 24 do tratamento (20 semanas de Boceprevir).
- Utilizando Telaprevir o tratamento deve ser interrompido se a carga viral for superior a 1.000 UI/ml no resultado da semana 4 ou no da semana 12 do tratamento. O tratamento total deve ser interrompido se na semana 12 a redução da carga viral foi inferior a 2 log, ou se nas semanas 24 ou 44 o vírus ainda estiver detectável.
CONCLUSÕES
Conclui o consenso do Reino Unido que a terapia com os inibidores de proteases para o tratamento do genótipo 1 da hepatite C anuncia uma nova era de tratamento para esses pacientes, com taxas de cura significativamente maiores e uma opção de cura para aqueles que não responderam a um tratamento anterior com interferon peguilado.
Novos medicamentos estarão disponíveis nos próximos anos, mas o uso criterioso do Boceprevir e do Telaprevir no tratamento atual é de um valor inestimável para os infectados cronicamente com hepatite C.
MEU COMENTÁRIO
UK consensus guidelines for the use of the protease inhibitors boceprevir and telaprevir in genotype 1 chronic hepatitis C infected patients. - Ramachandran P, Fraser A, Agarwal K, Austin A, Brown A, Foster GR, Fox R, Hayes PC, Leen C, Mills PR, Mutimer DJ, Ryder SD, Dillon JF. - Aliment Pharmacol Ther. 2012 Feb 1. doi: 10.1111/j.1365-2036.2012.04992.x.
Department of Gastroenterology, Aberdeen Royal Infirmary, Aberdeen, UK.
Nenhuma alteração ou sugestão foi feita de minha parte.
Carlos Varaldo